30 Anos Depois – Os Nossos Desaparecidos e a Continuação do Medo

30 Anos Depois – Os Nossos Desaparecidos e a Continuação do Medo

Aconteceu já lá vão trinta anos, milhares de angolanos a viverem o empolgante quotidiano que sucedeu a conquista da independência, num enorme desassossego, mas entregues com entusiasmo às novas tarefas exigidas pela revolução, pois como notava Amílcar Cabral “… sendo a luta de libertação nacional uma revolução, ela não se acaba no momento em que se iça a bandeira e se toca o hino nacional”. Numa manhã de Maio, num abrir e fechar de olhos dão pela mesma finar-se, após terem saído à rua apelando ao governo que pusesse fim à repressão policial da DISA, que libertasse os camaradas presos sem culpa formada e que se acabasse de uma vez para sempre com as rusgas nos bairros. A resposta repressiva do estado, com o beneplácito de Agostinho Neto, foi de tal monta que originou uma vaga de terror em toda a Angola acabando, como era seu desígnio, por atiçar um tal medo, pavor este que arredou da participação política e sem prazo os que escaparam da refrega.

Acto contínuo o vigor das suas vidas é sujeito a uma violenta agressão quando lhes é arrebatado ao convívio alguém amado, marido, pai, mãe, filho, um irmão ou porque não um amigo, pois o afecto não é privilégio de parente de sangue, e desde então que se vêem forçados a engolir a angústia de tão desmedidas perdas.

Da revolução testemunharam o desmoronar do sonho, essa ambição cujo sentido era o de transformar o estado pós-colonial numa sociedade de paz e justiça social. Dos que partiram ficaram estoicamente à espera que um dia alguém lhes explicasse a tão prolongada ausência, decerto definitiva.

O desaparecimento forçado de uma pessoa, equivale ao apagar da sua existência negando-lhe assim aquilo a que tem direito, a defesa e a justiça, sobretudo quando o autor da façanha, o que provoca a ausência, sabe não ter do seu lado a razão. Porém há registos que dificilmente se apagam dos arquivos da memória. Assim protegê-la, evitar o seu dano é um exercício penoso mas indispensável quando se ousa aguentar de mente sã mas principalmente de cabeça erguida. Não esquecer é o antídoto para a embriaguez que nos entorpece e que nos arreda do combate, é também a poção que nos revigora e que nos dá fôlego para reclamar, para exigir, para denunciar a dimensão do atropelo.

Afinal os nossos estão desaparecidos, mas não esquecidos.

Com o passar dos tempos, dos horrores vividos e dos infernos suportados, restaram sequelas que ainda hoje nos trazem uma inquieta sensação de pavor, quando nos lembramos da repressão sem tréguas e sem balizas, quando recordamos as fuças feias dos verdugos enfurecidos a castigar, quando ainda ressoam nos nossos ouvidos os gritos lancinantes dos companheiros submetidos à tortura, quando nos persegue o cheiro a sangue ingloriamente derramado. Estas “pancadas” não vão cessar, o medo vai persistir, vai tentar dominar-nos, baralhar-nos e levar-nos, como acontece a tantos de nós que sentiram na pele a fúria repressora, à autocensura.

Reconhecer e assumir o medo, não é uma fraqueza humana, muito pelo contrário, só os malvados o fingem não ter.

Faz hoje 30 anos, afastámo-nos três décadas do dia em que a revolução foi protelada e o povo enganado. Naquela manhã de Maio o sonho desfez-se. Foi-se a esperança por alcançar um mundo melhor, desapareceram para sempre os nossos e a impunidade dá sinais de triunfo. Porém hoje vivemos um outro tempo, encontramo-nos numa época em que a certeza da impunidade tem cada vez mais os dias contados se para tal houver quem se levante e lhe dê luta.

Lembrar para não esquecer.

José Reis

27 de Maio - 30 anos

José Reis

Sugestões

1 Response

  1. Isabel Nogueira diz:

    Esse medo que tem sido parceiro inseparavel do branqueamento e impunidade de tais hediondos crimes

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