Plataforma 27 de Maio suspende participação na comissão de reconciliação
Associações acusam o Governo e o MPLA de terem optado “pela recusa da verdade histórica e pela construção de propaganda a seu favor” e de rejeitarem os pedidos dos representantes das vítimas da sangrenta repressão de 1977.
A plataforma que reúne associações que exigem o apuramento da verdade e o reconhecimento das vítimas da repressão do 27 de Maio de 1977 decidiu por unanimidade suspender a participação nos trabalhos da Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP).
Em comunicado, a Plataforma diz ter concluído que “o Governo e o MPLA (que têm uma posição de domínio na CIVICOP), longe de procurarem um caminho de verdadeira reconciliação nacional, optaram pela recusa da verdade histórica e pela construção de propaganda a seu favor, para branquear a imagem, não estando interessados em apreciar sequer os pedidos que foram apresentados pelos representantes das vítimas”.
Em julho do ano passado, a Plataforma tinha solicitado à CIVICOP uma reunião extraordinária para que a comissão integrasse nos seus trabalhos a defesa de uma investigação isenta e célere, a identificação dos responsáveis pelos crimes cometidos, que os agentes da repressão deixem de ser considerados vítimas, a localização dos restos mortais das vítimas e a sua certificação através de teste de ADN, com a emissão das respetivas certidões de óbito com data e causa de morte e a sua devolução às famílias. Mas apesar das promessas do ministro da Justiça, o pedido ficou sem resposta.
Assim, para a Plataforma 27 de Maio ficou demonstrado “que a CIVICOP persiste naquilo que chama ‘modelo Angolano de reconciliação’, que mais não é do que a ausência de qualquer modelo de justiça transicional, preferindo antes colocar as vítimas e algozes na mesma posição, ignorando a busca da Verdade Histórica e as recomendações da União Africana (de que Angola faz parte) sobre a metodologia a desenvolver nos trabalhos”.
“Recusamos continuar a participar neste simulacro de Reconciliação”, conclui a Plataforma, apelando ao Presidente João Lourenço que “assuma a decisão de imprimir uma nova orientação à CIVICOP, de forma a que esta seja o veículo para uma verdadeira reconciliação que a Nação Angolana exige”.
A repressão que se seguiu ao 27 de Maio de 1977 em Angola é considerada um dos acontecimentos mais sangrentos da história da África Independente, calculando-se que tenham morrido cerca de 30 mil pessoas. O regime do MPLA atribuiu a responsabilidade pela vaga repressiva a uma “intentona golpista” por parte de “fracionistas” no interior do partido e nunca assumiu responsabilidades pelas torturas e desaparecimentos forçados de muitos milhares de angolanos, entre os quais algumas figuras de proa da luta anticolonial e do próprio MPLA. Os familiares das vítimas nunca souberam do paradeiro dos restos mortais nem tiveram direito a uma certidão de óbito. Só em 2018 o atual chefe de Estado angolano teve uma palavra de reconhecimento, incluindo na estratégia do Governo uma referência ao “processo de 27 de Maio e todo o cortejo de atentados aos Direitos Humanos que se seguiu” e a criação de uma comissão inicialmente designada de Homenagem às vítimas dos conflitos políticos, diluindo o processo do 27 de Maio num conjunto de conflitos políticos não especificados.
In Esquerda