Ao fim de 50 anos, o MPLA, ainda pensa reconciliar sem apurar a verdade

Quando fiz 50 anos tive uma vontade enorme de os comemorar. Outro motivo houvesse, mas, estar vivo, e sem pesares na consciência, foi o incentivo para reunir uns tantos amigos. Para lá da estima, não adoptei outro critério na escolha, porque estávamos conciliados. Acontece que no passado, no meu e no dos meus convivas, não houve quiproquós e como tal não ficaram dívidas para saldar. Julgo, portanto, que a propalada reconciliação, só tem sentido se coisa má aconteceu, deixou marcas, e agora, quem a fez, se queira redimir.
Faz hoje cinquenta anos que, depois de muito sofrimento e castigo, – o colonialismo também foi um castigo – assisti de pé, se não na primeira fila, pelo menos na possível, ao primeiro sinal de reconciliação entre dois povos aparentemente desavindos, porque a teimosia colonialista tinha como objectivo explorar, explorar e enviar os lucros para a metrópole. Então sim, a palavra reconciliação fez sentido pois, depois de um passado turbulento, como é do conhecimento de todos, os portugueses cumpriram com a palavra, foram-se embora e os angolanos, que fizeram a guerra ao colonialismo e não ao povo português, festejaram o gesto e proclamaram a sua independência.
Mas, na Angola independente, nem tudo correu bem ao MPLA, os conflitos internos transportados nas “mochilas” dos combatentes provenientes das várias frentes da guerrilha, fizeram-se sentir, as dissidências aconteceram, os exércitos dos vizinhos do Norte, o Zaire de Mobutu e do Sul, a África do apartheid, apoiados pelos EUA e pela China, vieram em auxílio da FNLA e da UNITA, e não fora Cuba e a União Soviética, darem-nos a mão, quem sabe, a bandeira e o hino de hoje não seriam os mesmos.
O actual presidente da República de Angola prometeu, na tomada de posse, combater com vigor a corrupção e outros desgovernos herdados, foi lesto a nomear um ministro para cuidar da justiça e zelar pelos direitos humanos, pediu perdão, somente em nome do Estado, coisa que o MPLA nunca fez, pelos excessos acometidos pela polícia, a DISA, criou a Comissão para a Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP), prometeu exumar os cadáveres dos que há muito estavam desaparecidos e entrega-los às famílias juntamente com as respectivas certidões de óbito, – aconteceu entregarem restos mortais não compatíveis com as amostras de ADN recolhidas, mas, para não ensombrarmos mais a data que hoje se celebra, vamos agendar este assunto para outra ocasião – apelou ao toque do abraço e ao sentido do perdão, sem clarificar, quem perdoa quem, sugeriu a reconciliação dos desavindos, e tudo isto a acontecer, sem antes se descortinar a verdade. Dos conflitos assinalados, se esperavam que me esqueceria do “27 de Maio de 1977, enganaram-se, pois, este também foi contemplado com a panaceia da reconciliação, mas quem a alvitra quer faze-la mantendo a ferida aberta, uma chaga que uns tentam sarar, propondo a constituição de uma comissão de verdade, outros, porém, fazem orelhas moucas, propalando alto e bom tom, para abafar a sugestão, o abraço, o perdão e a reconciliação.
Não creio exequível apaziguar uma sociedade onde coabitam as famílias dos desaparecidos e sobreviventes, paredes meias com os algozes e seus mandantes. Sei também que, uns e outros, não vão decerto festejar o cinquentenário da independência, tal como eu celebrei o meu aniversário há 50 anos, porque se subsiste a autocensura, a mágoa e muita dor recalcada, para uns, para outros há o peso nas consciências, atulhadas de infindos apertos, por não expiarem os males que causaram no passado. Agora, que vai haver festa de aniversário, aproveitam a folia, baralham tudo no mesmo saco, apensam-se medalhas luzidias às lapelas de uns e de outros, qual penitência devida de um acto de contrição. Há certamente quem mereça a distinção, mas outros há, que venha o mafarrico e escolha.
Viva a Independência, vamos ouvir o brado, outros hurras vão soar e o povo vai gostar, porque o povo gosta de festa, e merece a festa, o pior vem no dia seguinte.
José Reis
11 de Novembro de 2025

José Reis
