Virar a Página, Sr. Ministro? Haja Decoro
O Sr. Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, concedeu uma entrevista, onde rema contra a maré, não partilha, com o Sr. Presidente da República, General João Lourenço, a opinião que proferiu,- “A História não se apaga, a verdade dos factos deve ser assumida”- depois de, em nome do Estado Angolana, pedir perdão, por reconhecer a dimensão da violação dos direitos humanos, que sucedeu em Angola, na sequência do “27 de Maio de 1977 e que continuou por quase dois anos. O Sr. Ministro caí numa contradição, ao socorrer-se da sua verdade para classificar o “27 de Maio de 1977”, como um “Golpe de Estado”. O Sr. Ministro vai mais longe e considera o “27 de Maio” um erro político. Mas, contrariamente ao que nos afiança, o “27 de Maio de 1977”, não foi um erro político.
O “27 de Maio”, foi, isso sim, um atentado político, uma traição à revolução prometida ao povo, que a contrarrevolução, estreita e tradicionalista, promoveu, para impedir, o que tinha ficado decidido na “3a Reunião Plenária do Comité Central do MPLA”, o nascimento, a 10 de Dezembro de 1977, de um partido de inspiração marxista-leninista, peça fundamental para liderar a revolução angolana, rumo ao socialismo. O referido partido surgiu do 1o Congresso do MPLA, mas aqueles que o deviam integrar, por direito e por conformidade ideológica, há muito se encontravam desaparecidos. A figura “erro político”, está presente no discurso do Sr. Ministro, tudo se lhe afigura um erro político, até mesmo o sistema colonial, o qual, como alvitra, foi corrigido com a independência do país.
Serão os desaparecimentos forçados, também eles, um reflexo do mesmo equívoco? Qual será a emenda? Conceder perdão aos algozes? Não, estou convicto que não, e enquanto sobrevivente do “27 de Maio”, esteja eu onde estiver, direi que não, pois consentir o perdão, implica, conhecer previamente a verdade, e desta feita, o Sr. Ministro usou, repito, da sua verdade, e, vai daí, rotulou o “27 de Maio de 1977”, de “golpe de estado”. Pois, bem sei que verdade há só uma, contudo, atrevo-me a usar a minha verdade, e dizer que não houve um golpe de estado, tal como não houve fraccionismo, mas, faça-me perder a razão e satisfaça- me o pedido, mostre-me as “conclusões da comissão de inquérito ao fraccionismo”.
Na referida entrevista, o Sr. Ministro expressa uma vontade, a mesma que, a meu ver, ocupa o último lugar da fila dos desejos, atrás de outros que também se vão ter de cumprir, para que um dia aconteça, ou não, o Perdão. Por agora, apelar ao perdão avulso é prematuro, quando ainda se desconhece toda a verdade e esta não se apura, sem a exposição dos factos e a apreciação dos actos dos seus intervenientes. O Estado Angolano demorou, mas pediu perdão, e assim aconteceu porque, previamente, teve conhecimento da veracidade que foram, as “execuções sumárias”.
Foi recentemente publicado, pela primeira vez em livro, a defesa de Nito Alves, às imputações, fraccionista e golpista, e à qual chamou de “13 teses em minha defesa”. Estamos na presença de mais um documento retido por mais de 40 anos, pelo Estado angolano e o MPLA, talvez por ser este manifesto, a demonstração que iria contradizer, a “Declaração do B.P. do MPLA”, sobre o “Golpe de Estado de 27 de Maio de 1977”, a versão dos vencedores. Não vou falar das 13 teses, pois, qualquer cidadão atento, agora, já as terá lido, vou apenas fazer uma referência à capa do livro que as acolheu. A ilustração da capa, para quem conhece Luanda, mostra a Fortaleza, hoje, o Museu das Forças Armadas. Porém, só fez sentido escolher esta imagem, por haver uma razão. Ela existe e resume-se à má reputação que a velha fortaleza contraiu, quando se sabe, de
fonte segura, terem sido ali as masmorras de Nito Alves, José Van-Dúnem, Sita Valles, Monstro Imortal, Rui Coelho e de muitos outros. Sabe-se, também, ter sido ali o local do aviltamento e da tortura e diz-se ainda, que também foi ali que foram mortos. Porém, como nunca foram revelados os paradeiros dos seus restos mortais, o povo, que nestas ocasiões é pródigo em fantasiar, jura a pés juntos que também é ali, na fortaleza, que eles estão enterrados. Mas também há, e não se trata de especulação popular, quem reclame o mar, na sua imensidão, em vez da terra, como sepultura. Optámos pela terra firme, e estampámos a fortaleza. Um dia, quando a verdade se apurar, ficará resolvida a dúvida, tal qual, se ficará a saber como, por quem e porquê sucedeu a tragédia.
No passado dia 26 de Maio, o Sr. Presidente da República, em nome do Estado Angolano, e num discurso que ficará certamente para a história, pediu perdão pelas execuções sumárias. Nestas circunstâncias, prevejo como passo seguinte, o da entrega das certidões de óbito, acompanhadas dos restos mortais exumados e sujeitos ao teste de ADN. Como esta desagradável como indispensável operação é normalmente realizada pela antropologia forense, serão estes, os primeiros a destapar os locais de sepultura, e só então se ajuizará a fantasia do povo e de outros diz que diz. No discurso atrás referido, garantiu-nos o Sr. Presidente que faria a entrega dos restos mortais aos familiares que os reclamassem. Como gesto de boa vontade, adiantou-se e entregou a certidão de óbito de Nito Alves, a uma das suas filhas.
Presumo tratar-se de uma certidão provisória pois terá espaços não preenchidos para mais tarde, ser averbada a causa da morte e outros registos próprios de uma verdadeira certidão de óbito. Tenho esperança que o Sr. Presidente esteja bem informado, que seja conhecedor do lugar onde se encontram, prontos para exumação, os restos mortais de Alves Bernardo Baptista, caso contrário, parafraseando o Sr. Ministro estamos perante mais um erro político e este resolve-se, convencendo os algozes a dizerem a verdade, pois só eles sabem onde se livraram dos corpos das pessoas que fizeram desaparecer, há mais de 40 anos.
Espera-nos uma árdua e séria tarefa. Sendo assim, é prematuro dar por encerrado este assunto, como pretende o Sr. Ministro, quando afirma ser o momento de “virar a página”, e adoptar o “modelo angolano de resolução de conflitos”, o que afinal é esquecer, é abafar os crimes, com a falácia da reconciliação e o pretexto do perdão. Fazê-lo é desrespeitar as vítimas, é prestar um enorme favor aos algozes, admitir a impunidade, ou seja; matar duas vezes. A “Associação 27 de Maio”, é uma instituição de direito português, onde se encontram angolanos e portugueses, que não perdeu o direito à participação na procura da verdade e não se nos pode negar o direito à opinião.
Os seus associados, são sobreviventes que suportaram as provações da reclusão e da tortura, presenciaram a crueldade levada ao extremo por gente que tem nome, que não cometeu exageros, como agora se diz, mas sim crimes, pelos quais podem ser responsabilizados, não podendo assim, serem tratados como vítimas. Têm que ser ouvidos numa comissão de verdade, e aí, e apenas aí, darem a conhecer os seus comportamentos, mostrarem arrependimento, e assim conseguirem obter, ou não, o perdão.
O Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, sabe, assim acreditamos, que a Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos, (CIVICOP), foi um artifício pensado para, de uma forma arguta, trazer à liça um tema deveras inquietante e para o qual, nem o Estado, muito menos o MPLA, encontravam uma saída. Assim, com o excelso apoio da chamada “Fundação 27 de Maio”, aceite como a única e privilegiada interlocutora, dos assuntos do “27 de Maio”,
tentou uma saída airosa, com a construção de um monumento faraónico, a entoação de hinos, com abraços e um perdão avulso e forçado. Este logro, só não resultou em pleno, porque a “Plataforma 27 de Maio” apareceu e, com o seu contributo, estragou os planos, ao não concordar com o planeado e de forma cega. Nunca obteve uma resposta às suas questões, não vislumbrou o acolhimento das suas sugestões, descobriu-se até ludibriada e utilizada. Demarcou-se, suspendeu a sua relação com a CIVICOP, bateu com a porta e fez muito bem. Quando não há lisura nos processos não se deve perder tempo, põe-se-lhes um ponto final.
Quando todo este faz de conta terminar, não recaia em nós, sobreviventes, o anátema, pois quisemos participar, sugerindo a seu tempo, os passos a dar;
Exumar os corpos, submete-los ao teste do ADN e devolve-los às famílias, acompanhados de uma Certidão de Óbito, esclarecedora da causa da morte.
Procurar a verdade, recorrendo aos arquivos, disponíveis para esse fim, e então sim, que se erga um memorial, modesto, que simbolize a tragédia que se abateu sobre um povo, que preserve a memória e principalmente que sirva de prevenção para réplicas futuras.
21 de Agosto de 2021
José Reis – Sobrevivente
Presidente da Associação 27 de Maio
José Reis – Novo Jornal