27 de Maio/ Balanço de um Encontro
No passado dia 8 de Janeiro, teve lugar a 11ª reunião da Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP). A “Plataforma 27 de Maio” foi convidada, adquiriu finalmente reconhecimento, e julgamos conveniente, tal qual o fizemos no encontro, esclarecer também o público do espírito da nossa organização.
A “Plataforma 27 de Maio” foi concebida para reunir sinergias e, assim, dar uma resposta concertada aos desafios que a CIVICOP lançou, já que, enquanto órfãos e sobreviventes, somos todos vítimas de um conflito político.
A “Plataforma 27 de Maio” não é uma organização da diáspora, mas, sim, a materialização de um acordo firmado entre duas percepções geracionais: a “Associação M27“, dos que ficaram órfãos, a “Associação 27 de Maio” e a “Grupo de Sobreviventes do 27 de Maio“, dos que escaparam ao desaparecimento forçado e à morte. Elegemos o diálogo e a coerência, acordámos em ser uma só voz a expressar o sentimento do “27 de Maio” e, então, convidamos a “Fundação 27 de Maio“. Declinou o convite. Seguimos em frente, organizámo-nos, sintonizámo-nos pelo diapasão da procura da verdade e da justiça e, com o decorrer dos trabalhos, sentimo-nos mais unidos e determinados.
A questão “27 de Maio“, dentre os conflitos políticos mais complexos do passado, é aquele que, só por si, explicaria a existência da Comissão. Então, esta deveria criar uma Subcomissão, exclusiva, participada por elementos da “Plataforma 27 de Maio“, pois, por não estar resolvido, como aconteceu, por exemplo, com a guerra, é dos conflitos que subsistem, o que adquire maior relevância e augura uma maior atenção.
Pelo que acabo de dizer, e que é de todos conhecido, importa, então, não escamotear a procura da verdade. E, porque é sempre o vencedor a ditar a história, como tão bem sabemos, devemos todos empenharmo-nos numa revisitação da história oficial, envolvendo os protagonistas do “27 de Maio” e, assim, repormos a verdade histórica, tendo desde logo presente, como alguém dizia, que: “sem polémica, sem discussão, sem “emoções humanas”, nunca teria havido, nem poderia haver procura da verdade”
Ao longo do dia 27 de Maio de 1977, e nos dias que se seguiram, ocorreram verdadeiros sequestros, que culminaram no desaparecimento forçado dos raptados. A seu tempo, o Bureau Político do MPLA declarou ter havido um excesso, decorrente da agitação do momento. Porém, um ano depois, ainda os “valentes” da DISA reiteravam a mesma abjecta conduta. No dia 23 de Março de 1978, nós, sobreviventes, testemunhamos a saída nocturna da Cadeia de São Paulo, de um veículo apinhado de companheiros de cela, que, qual infortúnio, jamais foram vistos.
Podemos listar as identidades, quer dos desaparecidos, quer dos sequestradores, mas, dentre estes, subiste uma colossal diferença; os primeiras jazem, certamente, nalguma vala comum, enquanto os segundos, se o desfecho natural da vida, que é a morte, não os levou, ainda estão por aí e, pelo que sabemos, alguns, não arrependidos estariam prontos, se a ocasião permitisse, a repetir a façanha.
É precisamente para que estes exemplos de vontades recalcadas não se repitam, que a verdade tem que ser conhecida. Dito isto, como é possível supor os carrascos como vítimas?
Em nosso entender, estas figuras, deviam ser conduzidas, pelo Estado Angolano, a relatarem as detenções que fizeram à revelia da Justiça, as sevícias e torturas que praticaram impunemente, a identificarem os locais onde esconderam as vítimas, mas também, o próprio Estado, devia ser arrolado, para revelar o paradeiro dos que mandou fuzilar e assume.
Existe, nos dias de hoje, a Antropologia Forense, que consiste em utilizar os conhecimentos da antropologia física numa investigação de carácter forense, ou seja, numa investigação legal, para tentar definir um perfil biológico, encontrar a causa de morte e estimar o intervalo post mortem. Assim sendo, a Comissão de Averiguação e Certificação de Óbitos das Vítimas dos Conflitos Políticos, CAVICOP, de acordo com as normas de averiguação da Antropologia Forense, não ocuparia 5 dias, como diz a lei, a verificar e a satisfazer o pedido das 14 Certidões de Óbito que anuncia já ter passado.
Perguntar-nos-ão se esta campanha tem custos elevados?
Certamente, respondemos, pois vai ser necessário levar para o terreno técnicos e material, para efectuarem um trabalho, que se sabe minucioso e demorado. Mas, como ficámos conhecedores da intenção de, se nos é permitido, pôr o carro à frente dos bois, e esbulhar os cofres do Estado, em 40 a 50 milhões de dólares, para edificar um monumento e um memorial, então, sugerimos que se alterem as prioridades e, quando o processo estiver terminado, com a história oficial revisitada, os restos mortais devolvidos às famílias, acompanhados das respectivas certidões de óbito, completas, com a referência expressa da causa da morte, então, elogie-se a memória e perpetue-se a mesma num padrão alusivo.
Inicie-se este processo, como propõe a Comissão com o pedido de perdão, mas, como não cabe às vítimas fazê-lo, que seja o mais alto responsável da nação e do MPLAPT, herdeiro do MPLA, a ter a palavra. Desta forma, ficará seguramente referido na história oficial, como pessoa de bem, o que só o enaltece, mas também dignificará o País, com o exemplo que dá, na procura da verdade e da justiça e na pacificação da sociedade.
O modelo Angolano de reconciliação pode ser original, mas não se pode desviar dos procedimentos de referência já experimentados. Não há reconciliação, tão pouco perdão, sem ser encontrada a Verdade.
José Reis
O PAÍS – Sábado, 16 de janeiro de 2021