Carta aberta ao Presidente da República de Angola (2021)

Carta aberta ao Presidente da República de Angola (2021)
Carta aberta ao Presidente da República de Angola (2021)

Exmo. Senhor Presidente da República de Angola e Presidente do MPLA

General João Gonçalves Lourenço


Está em nossas mãos apagar inteiramente da nossa memória os infortúnios e as recordações desagradáveis

Cícero, escritor de Roma antiga, século I AC

Lembrar é fácil para quem tem memória, esquecer é difícil para quem tem coração.

Gabriel Garcia Marques, escritor latino-americano, século XX



Entre uma citação e outra decorreram vinte e um séculos de História da Humanidade.

Entre uma citação e outra, a Humanidade atingiu um nível civilizacional elevado, pondo-se fim ao esclavagismo, percorrendo-se muitos períodos até à progressiva dignificação do cidadão, que culminou na consagração dos Direitos Humanos, na sua plenitude.

No tempo de Cícero, a barbárie, os massacres, as chacinas, eram esquecidas, apagavam-se os infortúnios e as recordações desagradáveis, pois prevalecia a lei do vencedor. No tempo de Gabriel Garcia Marques, a cultura da responsabilização impera, as violações dos direitos humanos merecem o opróbrio e a repulsa, não se esquece, lembra-se e reclama-se JUSTIÇA e VERDADE HISTÓRICA!

Assim sucedeu com os torcionários do Chile de Pinochet, da Argentina de Videla, da Sérvia e do Ruanda.

Acontece, porém, que os responsáveis políticos da Angola Independente, parecem continuar no tempo de Cícero, recusando-se a assumir a modernidade e a responsabilização.

Ainda que tenha sido apresentado o propósito de reconciliação, Angola tem seguido um caminho errado, com a manifesta intenção de fazer esquecer o passado e de dar por encerrado aquele que foi um dos períodos mais tenebrosos da sua História: o 27 de Maio de 1977, que vitimou milhares de angolanos.

Em 23 de Julho do ano passado, a Plataforma 27 de Maio, apresentou à CIVICOP, um conjunto de medidas essenciais para uma verdadeira reconciliação:

a) Que se procure a Verdade Histórica, com uma investigação, isenta e célere;

b) Que seja definido como objetivo a identificação dos responsáveis pelos crimes cometidos, única forma de se saber a quem se perdoa, precedido de um pedido de perdão; c) Que os agentes da repressão que praticaram crimes deixem de ser considerados “vítimas”, pois a obediência a ordens ilícitas e violadoras dos Direitos Humanos não constitui, causa de justificação do crime praticado;

d) Que se defina como objectivo central da Comissão de Averiguação e Certificação dos Óbitos, a localização dos restos mortais das vítimas, a sua certificação pelo teste de ADN, a emissão das respectivas certidões de óbito, onde conste a data e a causa da morte e, por fim, a sua devolução às famílias”.

Referiu, também, que se tornava necessário um pedido de perdão de V. Exa, enquanto mais alto magistrado da Nação
e Presidente do MPLA. O Papa Francisco fê-lo em relação aos massacres do Ruanda, unicamente pelo facto de a Igreja Católica ter demonstrado passividade. No caso de Angola, mais se justificava, pois, houve autoria dos responsáveis políticos, com responsabilidades diretas de Agostinho Neto, que deu luz verde aos massacres, com a incendiária frase “Não vamos perder tempo com julgamentos”.

Ao invés de dar seguimento a tais medidas por nós reclamadas, a CIVICOP, está a promover uma encenação teatral para o próximo dia 27 de Maio, que vai ao caricato da deposição de uma coroa de flores, junto à estátua do primeiro responsável pela chacina de tantos angolanos, homenageando-o certamente por ter ordenado a barbárie. Tal homenagem conta com o patrocínio da Fundação 27 de Maio, de supostos sobreviventes, escolhidos como único interlocutor.

Os sobreviventes, apelam a V. Exa. para que, com a sua autoridade, inverta este caminho sem sentido e promova uma verdadeira Reconciliação, concretizando os objetivos por nós apontados e dando satisfação aos anseios das famílias dos desaparecidos e da tão sofredora nação angolana.

Assim fazendo, V. Exa. assumirá um lugar relevante na História política do país, adquirindo a estatura de um verdadeiro homem de Estado que rompeu com a barbárie.

Luanda, 25 de Maio de 2021

A Associação 27 de Maio
O Grupo Sobreviventes do 27 de Maio

Sobreviventes

27 de Maio - 44 anos

Associação 27 de Maio / Grupo Sobreviventes do 27 de Maio


Sugestões

1 Response

  1. 27/08/2021

    […] carta aberta dirigida ao presidente da República no dia 25, a Associação 27 de Maio e o Grupo de Sobreviventes reafirmaram a necessidade de “um pedido de […]

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