Efeméride: Luanda recorda golpe de Nito Alves
O regime angolano viveu há 25 anos a sua maior convulsão, quando parte da liderança se rebelou contra a chefia do Estado, numa luta fratricida ainda hoje mal esclarecida mas que provocou muitas centenas de mortos em poucas horas.
A 27 de Maio de 1977, vários ministros, membros do Comité Central do MPLA e oficiais superiores militares e das forças de segurança mobilizaram a população e unidades militares de várias cidades, com relevo para Luanda, para forçar a demissão do Presidente Agostinho Neto e do Governo e a destituição do Bureau Político do MPLA, no poder havia apenas uns 18 meses.
O golpe de força contra Neto gorou-se, pois os revoltosos tiveram contra si essencialmente forças militares estrangeiras, em particular as cubanas, que se colocaram ao lado do Presidente.
Este levantamento, cujos contornos e profundidade ainda hoje se desconhecem na sua totalidade, fez um elevado número de vítimas, incluindo políticos e governantes de primeiro plano, e deixou feridas profundas na classe política angolana.
Segundo o historiador Jean-Michel Mabeko Tali, no livro /Dissidências e Poder de Estado – O MPLA perante si/ /Próprio (1962-1977)/, a chamada “contestação nitista” baseava-se numa reivindicação ideológica: a realização de uma revolução marxista-leninista radical e pró-soviética, criticando o açambarcamento dos privilégios sociais por um pequeno número de pessoas.
Defensor do “poder popular”, dotado de incontestável talento oratório, Nito Alves afirmava que “só haveria igualdade e justiça em Angola no dia em que os brancos e os mestiços varressem as ruas como os negros”. Enquanto ministro da Administração Interna pós-independência, executou uma política repressiva contra a extrema-esquerda e consolidou a influência junto dos negros, nas universidades, nas Forças Armadas e em praticamente todas as estruturas do Estado.
As suas divergências com a liderança do partido fizeram com que Nito Alves e o seu grupo fossem declarados “fraccionistas” pelo Comité Central do MPLA logo em 1976.
A tentativa de golpe na madrugada de 27 de Maio de 1977 começou com tiros nas ruas da capital, seguindo-se a ocupação da Rádio Nacional de Angola e da prisão da polícia política (DISA) com apelos ao povo para que marchasse em direcção ao palácio presidencial.
Ao início da tarde, Agostinho Neto comunicou pela rádio que o golpe fracassara e que “alguns eminentes membros da direcção política e das Forças Armadas”, descontentes com sanções disciplinares aplicadas antes pelo Comité Central do MPLA, tentaram exprimir a revolta “pela força das armas”.
Mais tarde, pela televisão, anunciou que estavam desaparecidos – capturados pelos golpistas – vários dirigentes civis e militares. No dia seguinte, anunciou que todos haviam sido assassinados. Os cadáveres, queimados, foram encontrados horas depois.
Dias depois, o Bureau Político do MPLA confirmou que o golpe fora preparado e dirigido pelo grupo que rodeava Nito Alves, José Van Dunem e Sita Valles, uma luso-angolana que fora dirigente da Juventude Comunista Portuguesa. Os dois últimos foram detidos dias depois na província do Bengo, a norte de Luanda, e Nito Alves umas semanas mais tarde.
As vítimas mortais foram elevadas para os dois lados. De acordo com um comunicado do Bureau Político do MPLA, de 12 de Julho de 1977, foram assassinados pelos “golpistas”, entre outros, o major Saydi Mingas (ministro das Finanças), os comandantes Paulo da Silva Mungugu “Dangereux”, Eurico Gonçalves, ambos do Estado-Maior-General das FAPLA, e Eugénio Veríssimo da Costa “Nzaji”, chefe de Segurança das FAPLA.
Numa cerimónia no Cemitério Catorze, dezenas de pessoas homenagearam ontem em Luanda as vítimas da tentativa de golpe de 1977. A cerimónia foi marcada pela realização de rituais fúnebres que na altura foram proibidos e por uma missa campal no local em que foi erguido um túmulo sobre uma vala comum, onde estarão sepultados cerca de dois mil corpos.
Diário de Notícias
Uma vez que o golpe de estado falhado em 27 de maio de 1977 levou consigo centenas de filhos angolanos gostaria que essa data fosse mais divulgada e respeitada.