Juca Valentim, ex-director do DIP do MPLA executado no 27 de Maio
Luanda – Eduardo Artur Santana Valentim (mais conhecido por Juca Valentim), filho de Artur Santana Valentim e de Maria da Conceição Rodrigues Valentim, nasceu a 16 de fevereiro de 1945 na Gabela, Cuanza-Sul, em Angola.
Estudou primeiro nos Maristas, na então Nova Lisboa (atual Huambo), onde foi aluno do quadro de honra, terminando depois o secundário no Liceu Salvador Correia, em Luanda, tendo integrado então a Frente Unida da Juventude de Angola (FUJA), anticolonial. Frequentou depois o Curso de Engenharia Química na Universidade de Luanda, trabalhando simultaneamente nos Serviços de Aeronáutica Civil de Angola, como Controlador de Tráfego Aéreo.
Criou, em 1965, com operários, intelectuais e estudantes, o Comité Regional de Luanda (CRL), de que foi designado secretário-geral. A organização alargou-se a várias cidades de Angola e estabeleceu ligação com a direção do MPLA, em Brazzaville, para quem enviou documentos militares e informações económicas e políticas sobre a guerra, recebendo algumas orientações pela Rádio Angola Combatente.
Entretanto a PIDE prendeu vários suspeitos de ajudar os guerrilheiros da 1ª Região Militar do MPLA, entre os quais algumas familiares de presos políticos, ligadas à Igreja Metodista, o que causou grande preocupação entre os nacionalistas e os levou a preparar uma ação arrojada para reivindicar a sua libertação e evidenciar a capacidade de ação do movimento..
Assim, no dia 4 de Junho de 1969, três jovens (Luís António Neto, “Loló Kiambata”, Manuel Soares da Silva, “Nelito Soares”, e Diogo de Lourenço de Jesus) embarcam num avião DC-3 da DTA (Divisão de Transportes Aéreos de Angola) que fazia o trajeto Luanda- Sazaire (Angola) e, a poucos minutos da aterragem, um deles (Diogo de Jesus) vai à cabina, ameaça o piloto com uma pistola (que terá sido conseguida através de José Van Dunen) e ordena-lhe que siga para Brazzaville (capital da República do Congo). Embora no avião seguissem dois agentes da PIDE, não houve incidentes e, passadas algumas semanas, as senhoras presas foram libertadas.
Juca Valentim, então no 3º ano do curso de Engenharia, estava de serviço na Torre de Controlo e foi um importante apoio para o sucesso da operação.
Preso pela PIDE a 25 de outubro seguinte, com outros nacionalistas do CRL, foi internado no Pavilhão Prisional da mesma Polícia, na cadeia de São Paulo, ficando em prisão preventiva até 29 de abril de 1970. Nessa data, os presos foram divididos, seguindo uns para o Depósito de Presos do Forte de Caxias, em Portugal, outros para o Campo de S. Nicolau, em Angola, e outros para o Campo de Trabalho de Chão Bom, em Cabo Verde (nova designação do Campo de Concentração do Tarrafal).
Juca Valentim está neste último grupo, por lhe ter sido aplicada, “por decisão de 9 de Abril de 1970 a medida administrativa de fixação de residência por dez anos em Cabo Verde”, explicará, ano e meio depois, em 2 de novembro de 1971, o inspetor Barbieri Cardoso, em resposta a uma pergunta do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, na sequência de um pedido de “habeas corpus” apresentado pela mãe de Juca Valentim.
Nesse mesmo dia, o Presidente do Tribunal da Relação envia ao Supremo Tribunal de Justiça o requerimento de habeas corpus. Mas é ainda para a Relação o telegrama seguinte de Barbieri Cardoso, acrescentando que “a medida administrativa aplicada a Eduardo Artur Santana Valentim não é privativa de liberdade e, consequentemente, não se encontra recluso no Campo de Trabalho de Chão Bom, em Cabo Verde, mas tão somente está residindo na ilha de Santiago.”
Tese desmentida no dia seguinte, 4 de novembro de 1971, pelo próprio diretor do campo de concentração, Eduardo Vieira Fontes, em telegrama ao Juiz Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, Adriano Vera Jardim: “tenho a honra de informar que o indivíduo indicado se encontra a cumprir a medida de fixação de residência neste Campo de Trabalho, que lhe foi imposta por Sua Excelência o Ministro do Ultramar”.
E, no dia 23 de novembro, um ofício da Direção Geral de Justiça do Ministério do Ultramar dirigido ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça reitera a informação de que a 9 de abril de 1970 “foi fixada a Eduardo Artur Santana Valentim residência na ilha de Santiago da província de Cabo Verde”, mas logo acrescenta que “posteriormente e também por despacho de Sua Excelência o Ministro do Ultramar cessou essa medida, sendo fixada residência no distrito de Moçâmedes, no sul da província de Angola” e que “já foi determinada a execução deste despacho, pelo que o mesmo Santana Valentim passou a ter residência obrigatória naquela região”.
No dia seguinte, 24 de novembro, o Acórdão da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça conclui, em relação ao pedido de “habeas corpus”:
“Como se vê (…), Eduardo Santana Valentim encontrava-se, efectivamente, internado no Campo de Trabalho de Chão Bom, na Ilha e Santiago, Cabo Verde. Ora, a medida de segurança contra ele decretada (…) não permite tal internamento, dado que, por ela, se fixa apenas a residência em certo local.
Sendo assim, é evidente que devia ser deferida a pretensão da requerente.
Sucede, porém, que, segundo ofício do Exmo. Director Geral de Justiça do Ministério do Ultramar, respondendo ao pedido feito por este Tribunal, não só aquela medida já cessou, sendo fixada residência ao filho da requerente no distrito de Moçâmedes, na província de Angola, o que se deu em virtude de despacho de Sua Ex.ª o Ministro do Ultramar, como o mesmo, por virtude do tal, se não encontra detido. E se não se encontra detido, não pode decretar-se a providência requerida.”
De facto, nesses mesmo dia, Juca Valentim é levado para a cidade da Praia, onde passa a noite. No dia seguinte é enviado de avião para a ilha do Sal, de onde parte, a 26, para Lisboa, e é internado no Forte de Caxias, até 4 de dezembro. Nesta data é transferido para uma cadeia em Setúbal, onde passa quatro dias, seguindo depois por via aéreapara Luanda, ficando na cadeia da DGS mais nove dias, até ser transferido para o distrito de Moçâmedes, para ser internado no “Campo de Recuperação” de S. Nicolau (Campo de Concentração de Moçâmedes).
A 23 de junho, a mãe de Juca apresenta nova petição de habeas corpus. Mas a 19 desse mês, ele foi levado para Moçâmedes, onde ficou alguns dias em casa de um amigo, sendo depois levado para Baía dos Tigres, onde, na sequência de um contacto do subinspetor da DGS com o proprietário de uma pescaria, ficou a trabalhar nesta. E assim o Supremo Tribunal é levado a indeferir o “habeas corpus”, no dia 3 de agosto, “por não se verificar a actualidade da prisão”.
Contudo, em princípios de 1973, enviam-no novamente para o campo de S. Nicolau, mais precisamente para o campo de São Nicolau II, uma reserva de trabalho agrícola, onde, apesar do seu débil estado de saúde, o põem a arrancar e partir pedra.
Libertado na sequência do 25 de abril de 1974, regressa a Luanda. Irá, com José Van Dúnem, a Brazzaville, encontrar-se com a Direção do MPLA. Assiste, entretanto, ao Congresso de Lusaca do MPLA, iniciado a 12 de agosto de 1974.
Regressado a Luanda, será diretor do Departamento de Informação e Propaganda do MPLA, participando ativamente na organização do movimento.
Após a independência de Angola cessa a sua atividade como funcionário do MPLA e regressa à Aeronáutica Civil, onde já trabalhara.
Em 1976, numa reunião plenária do Comité Central do MPLA, o seu nome integrou uma lista de candidatos a propor para o Comité Central no Congresso previsto para o ano seguinte.
Os acontecimentos de 27 de maio de 1977 alteraram totalmente esse desígnio: acusado de pertencer ao grupo dito “dos fraccionistas” foi preso em agosto e morre às mãos da polícia política angolana, DISA-Direção de Informação e Segurança de Angola, não tendo os familiares podido vê-lo e enterrá-lo.
Publicado por Fernando Paiva
In Memorial aos Presos e Perseguidos Políticos…
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