Memória – O “Furacão 27 de Maio” passou por Angola há 30 anos

Memória – O “Furacão 27 de Maio” passou por Angola há 30 anos
  1. Trinta anos depois de tudo quanto aconteceu, aparentemente, já pouco mais haverá para dizer ou acrescentar que possa constituir uma grande novidade em relação ao que se passou neste país.

    Para os que não sabem, estamos a falar das consequências de uma data – o 27 de Maio de 1977 – que entrou para a nossa história com as cores vivas de uma tragédia sem limites, que retirou da circulação milhares de jovens acusados não se sabe bem de quê, nem porquê.

    Acabou por ser a eliminação física pela eliminação política, e vice-versa, numa desvairada matança cujo balanço, possivelmente, nunca será feito, tendo em conta a sua extensão reflectida no facto da mesma ter tido por palco o imenso território nacional, entre províncias, municípios e comunas, com muito poucas excepções.

    Trinta anos depois a nossa preocupação continua a ser a mesma de sempre em sentida homenagem a toda uma geração que ficou pelo caminho engolida pela voragem de uma conjuntura brutal.

    Trinta anos depois continuamos a não entender como é que em terras angolanas e entre irmãos da mesma família político-partidária, a brutalidade, a violência e a selvajaria conseguiram ir tão longe, ultrapassando todos os limites, com os resultados que se conhecem.

    Entendemos perfeitamente o que se passou até ao próprio dia 27 de Maio de 1977.

    Temos a nossa teoria sobre as razões que levaram o país até aquele precipício, que jamais teria acontecido se vivêssemos num regime democrático.

    Já lemos toneladas de papéis sobre o assunto e ouvimos quilómetros de versões sobre os já distantes acontecimentos.

    Concordamos parcialmente com muitas explicações. Discordamos totalmente de outras tantas.

    Até aqui tudo bem, em nome do direito à diferença, até porque a própria natureza do conflito ideológico que se foi agudizando no seio do MPLA não tinha uma única matriz.

    Depois do dia 27 é que já não entendemos nada para além daquilo que é mais ou menos evidente e que foi a chacina.

    Apesar de já não haver grandes novidades, continuamos a emocionar-nos com os relatos pontuais que vamos tendo conhecimento, relativos à passagem do “Furacão 27 de Maio” pelas várias províncias do nosso país há 30 anos.

    Nos últimos dias alguém com os olhos rasos de lágrimas falou-nos da sua experiência traumática em Malange, contou-nos como é que a viveu, acrescentou mais alguns pormenores pungentes a um acervo de violência política que temos vindo a coleccionar e a partilhar com todos, na medida do possível, por estas bandas mediáticas através deste exercício de cidadania que é a escrita pública.

    O estarrecedor relato do nosso interlocutor malangino voltou a perturbar-nos profundamente, deixando-nos em estado de choque.

    Nós já tínhamos uma ideia de como é que o terrível “day after” em Malange tinha sido vivido por todos aqueles que na província da palanca negra foram acusados pelos “bons” de estarem envolvidos no kizangú do lado dos “maus”.

    Mesmo assim, ao ouvirmos esta semana os referidos pormenores, acabamos por ser novamente surpreendidos por toda aquela bestialidade gratuita que se abateu sobre os malanginos.

    Pelos visto a nossa imaginação não conseguiu ir tão longe como a realidade dos factos registados no que toca à repressão desencadeada pela DISA em Malange.


  2. Trinta anos depois o 27 de Maio continua a inspirar-nos a mesma reflexão relacionada com a utilização abusiva do poder absoluto sob o olhar silencioso de uma sociedade amedrontada, a cumplicidade dos intelectuais e a ausência de liberdade de imprensa.

    Trinta anos depois o poder é o mesmo, isto é, tem as mesmas cores, mas já não é exercido de forma absoluta, embora aqui ainda se coloquem algumas dúvidas, sobretudo quando se instala alguma crise mais conjuntural.

    A sociedade, mesmo sem ser devidamente ouvida por quem de direito, deixou de ser silenciosa e passou a fazer barulho com tampas e panelas a espera das próximas eleições que agora estão prometidas para 2008.

    Isto aconteceu porque se instalou a liberdade de imprensa entre nós, tendo os últimos homens das bigornas e dos ferros quentes refugiado-se no anonimato de cobardes patrulhas pontuais, com que tentam calar-nos a boca sem qualquer sucesso.

    Os “intelectuais revolucionários” perderam o monopólio de um sector que viu as suas hostes serem alargadas a outras sensibilidades mais arejadas e menos comprometidas, com a chegada de novos reforços vindos de todos os lados, o que nos dá alguma garantia de que não teremos mais em Angola as vergonhosas cumplicidades do passado.

    Tão vergonhosas que hoje ninguém as quer assumir, havendo mesmo quem já tenha optado pelo “revisionismo histórico”.

    Qualquer dia ainda ouviremos dizer que tudo isto que andam por aí a dizer do 27 de Maio é pura invenção de meia dúzia de agitadores.

    Angola dos primeiros anos da sua independência foi um dos países onde os intelectuais mais se atrelaram ao poder político, num verdadeiro processo de osmose, que explica o seu desaparecimento, enquanto grupo social autónomo, com todas as consequências negativas daí resultantes para o equilíbrio da própria sociedade.

    Estaríamos, entretanto, a cometer uma grave injustiça se não nos lembrássemos dos outros intelectuais que não pactuaram com o pensamento único da época nem fizeram poemas sobre o papel positivo da guilhotina na nossa história.

    Uns foram parar às cadeias e os outros bazaram.

    Os que ficaram calaram-se, não havendo registo entre nós de nenhum movimento de dissidentes mais actuante, à semelhança do que aconteceu nos países do bloco socialista.

    Não tivemos sequer direito a um único Sholgenitzine.

    Fruto dos novos ventos que sopram de leste e de oeste, de norte à sul, trinta anos depois já podemos almoçar calma e tranquilamente, num restaurante qualquer desta cidade, assumindo a nossa identidade histórica como pessoas que passaram um bom/mau bocado das suas vidas entre quatro paredes gradeadas sem saber como é que seria o dia seguinte ou mesmo se haveria esse dia.

    Para milhares de nós, esse dia acabou por não acontecer nunca mais, sendo também por eles e pela preservação da sua memória, que nos vamos voltar a encontrar pela terceira vez consecutiva com o propósito de assinalarmos, com um almoço de confraternização, mais um aniversário, o trigésimo, da passagem por terras angolanas do “Furacão 27 de Maio“.


    Nada tão simples como isto.
27 de Maio - 30 anos

Jornal Angolense

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