Plataforma 27 de Maio denuncia “propaganda” da Civicop e reclama testes ADN
A Plataforma 27 de Maio que reúne 3 associações de sobreviventes e familiares de vítimas dos massacres de 27 de Maio de 1977 em Angola, expressou o seu desagrado depois da divulgação no sábado de uma reportagem na Televisão Pública Angolana fazendo “propaganda” em torno do processo de buscas e identificação das vítimas do 27 de Maio, isto um ano depois de um inquérito revelar que várias ossadas não correspondiam ao ADN das vítimas supostamente identificadas.
A Televisão Popular de Angola (TPA) divulgou, no passado dia 23 de Março, uma reportagem intitulada “Civicop- 3 Valas Comuns no Huambo”, na qual promove e exalta a actividade da Comissão angolana para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (Civicop) na busca das ossadas das vítimas do 27 de Maio” começa por referir em comunicado a Plataforma 27 de Maio aludindo a uma reportagem em que se aborda a descoberta de três valas comuns no Huambo, nas quais se acredita se encontrarem os restos mortais de 90 vítimas.
Na óptica do colectivo que abrange a M27 (Associação dos órfãos do 27 de Maio) o Grupo de Sobreviventes do 27 de Maio de 1977 e a Associação 27 de Maio (Sobreviventes e familiares das Vítimas), “a Civicop mantém a opção pelo faz de conta, embuste e propaganda, sendo lamentável a participação de governadores, autoridades tradicionais e outros, bem como o desrespeito pelos sentimentos das famílias das vítimas do Huambo, a quem não foi prestada informação prévia”.
A estas denúncias, a plataforma acrescenta um alerta “para o facto de não estarem a ser seguidos os procedimentos internacionalmente aceites para a identificação dos restos mortais”, recorda que “Angola não dispõe da tecnologia de ‘ADN em ossos’ que permita efectuar a correspondência com o ADN recolhido em sangue, saliva ou cabelos, fornecidos pelos familiares” e recorda que a “Civicop tinha aceite a colaboração de uma equipa de prestigiados especialistas internacionais, em concreto portugueses, sob a direcção do Professor Duarte Nuno Vieira, a qual concluiu, após exames forenses, que as ossadas atribuídas a José Van Dunem, Sita Valles, Rui Coelho e outros dirigentes (do MPLA) não tinham qualquer ligação aos mesmos”.
Neste sentido, o colectivo apela à “implementação de procedimentos aceites internacionalmente”, bem como “à criação de uma genuína Comissão da Verdade, que contribua para uma efectiva Reconciliação Nacional”. A plataforma reclama ainda “a apresentação pública dos certificados dos testes de ‘ADN em ossos'” e pede “a colaboração de especialistas independentes e internacionais” no processo de identificação dos corpos.
Este é também o apelo reiterado na RFI por Luísa Pombal que integra a associação M27 para quem “é necessário fazer os exames” e é preciso que isso seja “feito de uma forma absolutamente rigorosa do ponto de vista científico e técnico, para que não haja nenhum tipo de equívoco”.
Com efeito, um ano depois de se concluir que várias ossadas não correspondiam ao ADN das vítimas supostamente identificadas, factos denunciados numa carta aberta em Março de 2023, “nada mudou”, considera esta familiar de vítima do 27 de Maio.
“Um ano depois, em princípio, ou pelo menos nos termos da Comissão, permanece tudo na mesma. Nós sabemos que esteve cá uma equipa forense portuguesa com o professor Nuno Vieira e que não há a nível interno a nível nacional, condições para tipificar através de exames de ADN e essas coisas. Não há essa condição. Mas pelos vistos tudo prossegue igual porque foram descobertas novas ossadas, conforme foi noticiado. E mais uma vez se fala em as famílias comparecerem ao Laboratório Nacional para fazer testes ou pelo menos para fornecer o material, sangue, saliva e essas coisas. Agora, o que é que se vai seguir? A gente não vê, porque é dentro da instituição, do laboratório. Não sabemos o que é que vai lá acontecer, mas a informação que temos é que, de facto não existem condições técnicas para se fazer estes exames”, diz Luísa Pombal.
Do seu ponto de vista existe falta de “vontade política” para fazer exames “com o devido rigor técnico, científico, e com a participação de peritos internacionais de pessoas que têm conhecimento”, sendo que “geralmente em processos como este, nunca é o país sozinho a tratar. Geralmente há sempre participação internacional”.
Criada em 2019 pelo actual Presidente angolano, João Lourenço, a Civicop, tem a responsabilidade de esclarecer e sarar as feridas provocadas pelos conflitos políticos que ocorreram em Angola entre 11 de Novembro de 1975 e 4 de Abril de 2022, designadamente os acontecimentos ligados à alegada tentativa de golpe de 27 de Maio de 1977.
Dois anos depois da sua criação, esta entidade pediu desculpa às famílias das vítimas em nome do Estado angolano, entregou corpos e certidões de óbito bem como realizou cerimónias públicas de homenagem às pessoas que foram raptadas e mortas durante os massacres de Maio de 1977.
Durante esse período marcado por divisões internas no seio do MPLA, no poder desde a independência em 1975, estima-se que cerca de 30 mil pessoas foram presas, torturadas e mortas, no âmbito do que ficou conhecido como tendo sido uma “purga” dentro do partido.
in RFi – Liliana Henriques