Todos os anos, neste dia, lhe digo a mesma coisa
Chamo-me Rui Tukayana.
Tenho 30 anos e nasci em Angola, quando esta já era uma nação livre e independente.
Do meu pai herdei o meu primeiro nome próprio: Rui. Ele chamava-se Rui Coelho.
Fruto do que aconteceu, faz hoje 31 anos, a minhã mãe escolheu o meu segundo nome próprio: Tukayana. Esta é uma palavra em tchokwe, uma língua angolana, e que quer dizer “venceremos”. Chamo-me, portanto, Rui Venceremos.
A 27 de Maio de 77, ainda eu não tinha nascido, Luanda acorda ao som de tiros. A população estava nas ruas e havia uma marcha em direcção ao palácio presidencial. Hoje em dia a opinião geral é que se tratava de uma tentativa de golpe de estado liderada por dois homens: Nito Alves e José Van Dunen.
O meu pai era muito próximo de Nito Alves. Enquanto ele (o Nito Alves) foi Ministro da Administração Interna, o meu pai foi o seu chefe de gabinete.
A tentativa de golpe, se é que a houve, correu mal e a rebelião foi esmagada. Agostinho Neto, o presidente angolano na altura, disse qualquer coisa como “não perderemos tempo com julgamentos”. E assim foi.
Logo na noite de 27 de Maio a DISA, a polícia politica, começou as buscas às casas. O meu pai não estava em Angola nesse dia. Estava noutro país ao serviço do Governo. Chegou apenas um dia depois (a 28) e não dormiu em casa. Não era seguro. No dia seguinte, 29 de Maio, ele e a minha mãe (grávida de 7 meses) foram presos. À entrada da prisão foram separados. Nunca mais se viram.
A minha mãe, talvez por estar grávida, foi solta pouco depois. O meu pai não teve a mesma sorte. Foi espancado, torturado e, perante um tribunal, obrigado a confessar crimes. Não perderemos tempo com julgamentos. Esta espécie de tribunal, ficou conhecida como a Comissão das Lágrimas. Um dos interrogadores era o Pepetela, um (actualmente) conhecidíssimo escritor angolano.
Após o julgamento a TV angolana ainda mostrou o meu pai (Rui Coelho) como um troféu da DISA e do MPLA. Depois fuzilaram-no.
No meio de tudo isto, eu ainda tive alguma sorte. Primeiro, porque sobrevivi. Segundo, porque a minha mãe sobreviveu. Terceiro, porque depois de dias à porta de um ministro, a minha mãe conseguiu obter uma certidão de óbito. Ainda hoje não sabemos onde estão os seus restos, se numa vala comum, se no meio da selva, mas mesmo assim lá se fez uma espécie de luto.
Depois do dia 27 de Maio de 1977, seguiram-se dois anos de terror, repressão, prisões e execuções. Acredita-se que, como o meu pai, outras 30 mil pessoas desapareceram. 30 mil mortos. 30 mil pessoas que, talvez por não terem sido mostradas como troféus na TV, as respectivas famílias ainda não receberam uma certidão de óbito, ou não se sabe onde estão os restos mortais. Lembro que Pinochet “apenas” é responsável pelo desaparecimento de 3 mil e é um monstro aos olhos de todo o mundo civilizado.
É evidente que nem todos os que foram presos, foram mortos. Os sobreviventes, nós, criámos uma associação. A ideia é que ninguém esqueça o que se passou e que um dia se faça justiça e as vítimas sejam homenageadas de alguma forma. Recuperar e identificar os restos mortais parece-me mais difícil, mas quem sabe?
É este o dia, 27 de Maio, que escolhi para fazer o luto ao meu pai. Não sei quando morreu. Sei apenas que tinha 25 anos quando foi morto, menos cinco do que a minha idade actual. Dizem-me que soube que teve um filho (nasci em Agosto). Um rapaz. Quero acreditar que sim.
Todos os anos, neste dia, lhe digo a mesma coisa:
Rui, Tukayana.
Pai, venceremos.
Venceremos.
Rui Tukayana
Continuamos a lembrar todos os anos para q nunca, nunca mais se repita tal barbaridade.Todo o ser humano merece ser tratado com dignidade.Muitos amigos meus foram torturados nessa altura, creio q não há nenhuma família angolana q não tenha sido tocada. Infelizmente os governantes de hoje continuam a olhar para o seu umbigo, esquecendo-se q hoje os seus filhos também têm 31 anos e começam a fazer perguntas, está na hora de começar a falar.
Rui,
Embora já tenha tentado entrar em contacto contigo por outra via, devo dizer-te que, tanto quanto me lembre, o teu nome provem da língua Tchokwé (falada no leste angolano) e é aí que significa “Venceremos”. Também estou em crer que este teu nome pertence ao futuro porque estou convicto que VENCEREMOS.
Num dos comentários efectuado ao teu texto, o comentador refere a utilização incorrecta da palavra dialecto, o que penso deves atender pois ele está absolutamente certo: o kimbundo é uma língua de origem bantu, com estrutura e gramática próprias. À sua volta é que poderão existir os dialectos.
Um abraço para todos os defensores da justiça e da verdade.
Êxitos e
TUKAYANA
“a repeticao e a mae da retencao”. continua a contar-nos esta historia, pois tenho certeza que ajudara as geracoes presentes e futuras a respeitar a vida humana. e quem sabe ate fara que os assassinos (eles estao todos vivos e no poder em Angola) deixem de cometer mais atrocidades (eles continuam, nos todos sabemos!)
Rui
Como o tempo passa … 31 anos!!! Sim sou o Calicas que ensinou o teu pai a jogar xadrez e que passou tantos momentos bons com ele.
Recuso-me a esquecer qualquer deles, bem como me recuso a esquecer a forma como nos vimos privados da sua amizade.
Um abraço amigo para ti e toda a familia.
Tukayana.
Calicas
Querido Ruca
Tudo o q escreves faz parte do meu passado.
Corre-me umas lágrimas porque te conheci pequenino ainda mal conseguias mamar. A história do Teu pai (um pai Coragem e digno) da tua mãe (uma mãe coragem e digna)e a tua fazem querer, um dia, quem sabe poder dar-te um abraço. Tive-te no meu colo com 2 dias de vida, mas tarde, tive-te também mas já com uns meses e durante estes anos todos, tenho pensando em ti, como estarias.
Hoje vencerdor para meu orgulho e de toda a tua familia.
Um abraço
Bélinha Machado
Só morre quem não sabe por que morre…
O teu pai continua vivo no sonho de Liberdade que o levou!
Estou a vê-lo feliz, numa manhã de Abril, na então Sá da Bandeira, hoje Bailundo.
Tinha casado e vinha com tua mãe. Fazia parte do etenerário da sua Lua-de-Mel uma visita à tia freira e lá apareceram os dois. Fiquei feliz!
Nunca mais o vi!…
Mas, quem sabe por que morre… não morre!
Em ti,sei que continua vivo, TUKAYANA!
Por engano, na mensagem anterior, atribui a Lubango a designação de Bailundo. É a Lubango que me refiro.
A saudade prendeu-me às tuas palavras e por momentos senti um calafrio, como se o tempo tivesse parado e fosse outra vez Cacimbo. Aquele Cacimbo de 1973 (?) em que vi o teu pai pela última vez.
Angola esqueceu muitos dos que sonharam para ela um futuro com dignidade e menos desigualdade.
Foi bom ler-te, como foi bom ter reencontrado o Zé Tó e a Lourdes Inês Mendonça há 2 anos.
E neste bocadinho, reencontrei a minha professora de lavores, Madre Mendonça e a Belinha Machado, minha amiga de infância.
Que a vida te abençoe com tudo a que tens direito.
Um beijinho, querido Rui.
Oi,
Rui
Tambem como tu, perdi o meu pai, a minha mãe estava gravida na altura, não o conheci, ao ler a tua carta, não pude conter as lagrimas, porque eu sei e conheço bem esta dor, de nunca ter tido um Pai, um Amigo, Um conselheiro, um Orientador…, como doi.
Se tivesse que escrever tudo que me vai na alma, este espaço não seria suficinte.
Que a justiça um seija feita, para que realmente as suas almas possam descansar
um abraço,
Rui,
Por sorte, sou filha de um sobrevivente do 27 de Maio.
Por sorte o meu pai pode ainda testemunhar os acontecimentos do 27 de Maio e contribuir para que nunca os esqueçamos.
Voltei a Angola, depois de 30 anos. A Terra que me viu nascer e que me viu partir depois do 27 de Maio.
O que sinto por estar numa terra que expulsou os meus pais de uma forma tão brutal?
Não sei explicar, mas sinto que pertenco aqui.
Caro Rui:
Tenho acompanhado tudo o que diz respeito à repressão e chacina promovidas pelo MPLA desde o 25A. Como não podia deixar de ser o caso do seu pai – Rui Coelho – foi um dos milhares que sem julgamento desapareceu para sempre. No excepcional livro do Eng. Américo Cardoso Botelho, Holocausto em Angola aparecem múltiplas referências a seu pai, como por exemplo na página 144.
Queria perguntar-lhe a si e a todos os leitores que tenham conhecimento destes e doutros acontecimentos que me forneçam toda a informação possível sobre um oficial da DISA chamado António Carlos Nunes da Silva, o qual foi morto numa emboscada no Huambo já na década de 80, emboscada essa atribuída à UNITA mas provocada por certos sectores do MPLA. Qual o nome de guerra dele? Consta que participou na terrível repressão após o golpe de Maio de 1977.
Volto apenas para referir que o tipo de tortura exercida sobre os prisioneiros políticos em Angola faz parte de uma acção protocolada comum a todos os regimes comunistas. Saíu recentemente um excelente livro sobre a práctica “científica” desse desumano “tratamento” ensaiado pela primeira vez na URSS (a partir de 1917) e na Roménia (1945)e descrito por Gregori Dumitrescu no seu livro “Holocausto das Almas”. O autor foi um feliz sobrevivente desses locais de morte.
Em Benguela foi desesperante. Até o governador desapareceu.
Esquecer? Nunca.
É muito bom termos este espaço para dizermos aos nossos amigos e compatriotas o muito que gostamos deles e como sentimos a sua falta em todos os momentos.
Um abraço muito grande Rui.
Ola Rui.
Sou Miguel Ângelo tenho 32 anos de idade e também perdi para sempre o meu pai que mal conheci. Assim como tu eu também herdei dele o nome e o jeito de encantar com as pessoas com as artesgraficas.
O meu pai foi Miguel Ângelo Marques de Pitta Simões.
foi um guerrilheiro destemido e corajoso.
era um homem honesto e justo acima de tudo.
era capaz de tirar a própria roupa para dar a quem não tinha para se cobrir, salvou muitos companheiros na frente de batalha.
assim contam os que o conheceram de perto. ouço uma historia aqui e outra ali.
Aquilo que quero ouvir ninguém quer falar nem mesmo a minha própria Mãe.
um dia disse-lhe que iria comecar uma pesquisa intensa em busca da verdade e que esta a ler todas as materias possiveis e imaginarias sobre o 27 de Maio.
chegou a desaparecer lhe o sangue dos lábios quando a bordei com tal assunto pediu-me para que lhe jurasse que jamais tocaria em tais assuntos. seja com quem fosse, dizendo… esquece! Miguel o tempo passou! e isso já la vai!
E eu não cumpri era mais forte que eu. li todos os artigos e livros ate os os mais recentes.
deu para notar que essa bola de neve esta a crescer.
O meu Pai tinha o MPLA a correr lhe pelas veias, pintava os prédios da cidade de Luanda e arredores com a cara de Agostinho Neto, e temas da revolução popular.
muitos deles ainda vi para alem dos anos 80.
tenho algumas fotos dele na guerrilha mas…
Algo aconteceu. para lhe ter sido tirada a vida de forma tão cruel assim como os demais.
após esse dia a minha família nunca mais o viu.
e ele foi me amputado para sempre.
um abraço.
Boa-noite
eu Irma Sobral Ahmed fui uma das vitimas do fraccionimos.
Sou filha de Eurico Manuel Correia Gonçalves, na noite do dia 27 de Maio por culpa de certo membros do governo, o meu pai foi levado de casa sem mais nem menos,sem julgamento foi fuzilado.Sendo ele militar da faa.E Eu nasce sem o direito de um registo do meu pai,porque fui fruto de uma aventura de momento,e sendo minha mae casada com outro senhor tive que levar o nome deste senhor.
O mais engraçado é que eu só vim a conhecer esta historia quando eu tinha 10 de idade, isto em 1987,quando na altura a TPA fazia lembrar o fraccionismo na televisao no momento em que apresentava os mortos foi-me dito que aquele senhor morto era o meu pai.Hoje que me encontro com maior idade nao consigo tirar o nome do meu padrasto,e vivo assim.
Porisso condeno qualquer acçao de guerra.
Mais sim há conversa.
Porque foi falta de conversa que o meu pai morreu e eu nao eastou registada por ele.
Oi a Todos incluindo o Tukayremos!
Deixo aqui simplesmente um abraco angolano de solidariedade contigo e com o Miguel o filho e o Pai….
Sobre os motivos de tal barbarie pelo poder de entao nao os justifico pois as acoes do teu pai e do Kota miguel ja emanavam da ausencia de verdadeiro nacionalismo e vazio de identidade angolana dos que estavam entao no poder o seu odio por tudo o que nao fosse sim chefe claro! sim! eu chamo isso de inbecilidade simples e ausencia de NACIONALISMO como bem lembram o Pinochet e montros pelos 3 mil e e os nosso que ‘BEDECIAM tudo o que vinha de cuba urss etc como uns verdadeiros lacaios sujos.
Como tento explicar uns e outros verdadeiros nacionalistas ja de mentalidade isenta do ‘BEDECER desencadearam as interrogacoes e descontentamento que levaram a accao .
Uma das coisas que correu mal e que o trabalho nao estava totalmente bem feiro pois falhou no CIR Kimpwanza que devia ter ajudado a rebeliao tipo mola de percursor ….
mas quem sabe se calhar foi melhor assim pra nos angolanos quem sabe ? se ganhassem talvez morressem 80 mil as maos contrarias? quem prova que nao pois o tio Nito tambem nao era isento so sei que era justo e honrado…. se calhar estariamos mergulhados hoje numa cuba infindavel pior pois temos massa para nos aguentar…
Conheci o teu velho o Miguel angelo e lembro-me ate hoje de eu estar no carro com ele a procura de gaz ele era ja comandante ai uns 2 meses antes de 27 maio e ali por traz da martal chichilamos a espera do tal gaz ( estavamos no land rover dele descapotavel ) ele ipotente perante a recusa de nos darem o tal gaz e depois de esperarmos umas 4 horas …..
Disse-me desabafando ! com os olhos em brasa e chispando furibundo … Isto vai acabar juro-te ! vai mudar numca mais vamos ter isto ! nao vamos mais andar a procura de comida e gaz ! e depois olhou para mim como se tivesse cometido um granda ou pedaco crime pelas exclamacoes involuntarias de raiva e desculpou-se !
Es puto mas vais perceber daqui a uns tempos afagando-me a cabeca…
Eles eram todos a favor de angola tinham lutado por ela e doia-lhes a alma as privacoes por todos que passavamos com a cabinda golf a pagar uma factura bilionaria todos os mese ok so isso..
Eram tipo um mandela incapazes de fazer mal ao povo ou usar o nome do povo para aldrabar e ter o poder como os outros !
So isso!
Depois do 27 apareceu logo o KI-SUCO o Vinho Morteiro – O Tang ate o frango em lata e taxis amarelos etc etc
Grandas Homens nao morreram em vao e o montro quase se matou a tentar arrancar o proprio umbigo e tripas pois eram parte do montro do poder.
Honra aos motivos deles nao morreram por um x5 ou por uma casa em durban como e valor corrente na nossa angola…
Tss ! Tss!
Desculpem os montro etc e outros erros escrivi a correr sem corrigir …
Abraco amigo a todos os que visitam o site …
meu e mail
***@***
diz tudo nao?
Ao ler os relatos dos acontecimentos do 27 de Maio de 1977 (eu tinha 3 anos de idade), procuro recrear na minha imaginação, como foi aquele factidico dia. Gostaria de saber como era o conteudo do programa Kudimbanguela. as vozes dos locutores. Há dias perdi o meu tio Paulo Felix Kitamba, que sempre me falou do Kiferro, seu colega do futebol.
na ressaca do 27 de maio, Perdemos um tio de nome Faria Kitamba que era da nona brigada, aquela que aparece no livro do Michel, gostaria que o nome dele constasse da lista dos desaparecidos.